“Boi safrinha” maximiza uso da terra e potencializa ganhos de produtores no Cerrado.

Produtores rurais do Cerrado têm encontrado na adoção de um sistema de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) uma alternativa rentável para evitar os riscos climáticos da segunda safra de verão em sistema de sequeiro, aproveitar áreas agrícolas que ficam em pousio durante o inverno, período seco do ano, produzir carne a custo mais baixo e incrementar a produtividade das lavouras de grãos. É o chamado sistema “Boi safrinha”, “safrinha de boi” ou “pasto safrinha”, tecnologia cada vez mais adotada na região.

O sistema recebeu esse nome em alusão à segunda safra de milho, também chamada “milho safrinha”. Nele, uma gramínea forrageira dos gêneros Brachiaria ou Panicum é semeada simultaneamente com o milho ou sobressemeada a lanço em soja, a partir do final do enchimento dos grãos até o amarelamento das plantas. Após a colheita da lavoura de grãos, a massa de capim formada para cobrir o solo para o plantio da cultura anual no verão seguinte em Sistema Plantio Direto* (SPD) também pode ser usada como pastagem de curta duração na cria, recria ou terminação de bovinos, promovendo bem-estar animal, diminuindo custos com confinamento, intensificando o uso da área e aumentando a lucratividade das fazendas.

De acordo com a avaliação de impactos da tecnologia realizada pela Embrapa Cerrados (DF), o Boi safrinha ocupou, no ano-safra 2019/20, 3 milhões de ha no Cerrado, ante 2,3 milhões de ha no ano-safra 2018/19. A área é estimada com base na estimativa de formação de pastagens e cobertura de solo com as espécies forrageiras mais utilizadas para o período seco do ano em sistemas de ILP especializados. O Boi safrinha foi uma das 152 tecnologias cujos impactos econômicos, sociais, ambientais e institucionais foram analisados no Balanço Social 2020 da Embrapa, cujos resultados serão anunciados no próximo dia 27 pelo presidente da Embrapa, em uma coletiva virtual de imprensa marcada para as 10h30.

A receita bruta com a tecnologia foi estimada em R$ 12,3 bilhões, quase o dobro do ano-safra anterior (R$ 6,2 bilhões) e a margem bruta em R$ 2,99 bilhões, praticamente o triplo do período antecedente (R$ 1 bilhão), com rentabilidade mensal de 9,7% do capital investido por ha, quatro pontos percentuais acima do obtido em 2018/19. A rentabilidade total em 2019/20 foi de 31,7%/ha, contra 18,8%/ha do período anterior. As simulações econômicas de 2020 consideram os valores de R$ 207,25 para boi magro e R$ 243,59 para boi gordo, com base em valores médios do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (IMEA) nos meses de junho e outubro, respectivamente.

O efeito ambiental de “poupa-terra” (quando novas áreas deixam de ser utilizadas devido ao uso de tecnologias de intensificação do uso da terra) foi de 9,4 milhões de ha de pastagens perenes desocupadas durante a estação seca no Cerrado e pelo pastejo evitado decorrente da antecipação da idade de abate dos animais, contra 7,1 milhões de ha em 2018/19. Cada real investido na pesquisa sobre a tecnologia, entre 2009 e 2015, retornou R$ 534,82 para a sociedade.

Benefícios

Lourival Vilela, um dos pesquisadores responsáveis pela sistematização do Boi safrinha, destaca que tanto os produtores de grãos e fibras como os pecuaristas se beneficiam da tecnologia, assim como os frigoríficos, que contam com maior oferta de carne na estação seca, quando há menor disponibilidade de forragem.

Os principais impactos agronômicos do sistema Boi safrinha observados pelos pesquisadores são ganhos de produtividade de soja de 10 a 15% quando em sucessão a pastagens de maior produtividade e adubadas; ganho de peso em equivalente-carcaça entre 6@/ha e 12@/ha na pastagem de curta duração na estação seca; e ciclagem de nitrogênio, fósforo e potássio estimada, em equivalente-fertilizante, em cerca de 60 kg/ha/ano de ureia, 95 kg/ha/ano de superfosfato simples e 85 kg/ha/ano de cloreto de potássio, respectivamente.

O sinergismo da rotação lavoura-pasto do sistema promove melhoria das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, resultando no aumento do teor de matéria orgânica do solo; diminui a incidência de plantas daninhas e auxilia no controle de pragas e doenças das culturas, como Fusarium spp. e mofo branco em soja, reduzindo o uso de agroquímicos. Além disso, a palhada do capim, se bem manejada, aumenta a taxa de infiltração de água no solo, elevando a recarga do lençol freático.

Desenvolvimento

Apesar de ter sido descrito em uma publicação somente em 2017, o Boi safrinha já existia como prática desde o início da adoção de sistemas de ILP para recuperação de pastagens em fazendas na década de 1990, como lembra Lourival Vilela.

“Um dos aspectos que mais chamavam a atenção é que as pastagens permaneciam verdes por um período longo do ano. Quando o produtor de grãos começou a introduzir a braquiária nas áreas de agricultura, surgiu esta oportunidade: trabalhar com o boi, que é uma atividade de menor risco que o milho safrinha em muitas regiões”, diz o pesquisador.

O médico veterinário William Marchió, que atua como consultor de agronegócios em 11 estados brasileiros e no Paraguai, aponta que o Boi safrinha é uma estratégia que se tornou corriqueira em grande parte das fazendas com atividades agrícolas e pecuárias, principalmente em estados com perfil agrícola, como Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul, mais receptivos a esses sistemas.  

“O fato de haver uma gramínea no sistema diminui a ocorrência de pragas e doenças e aumenta o teor de matéria orgânica do solo. A fertilidade do solo fica bem conduzida e quem se dispõe a ter gado produz uma arroba muito barata (por R$ 120 a R$ 140, contra R$ 200 na pastagem convencional). Além disso, os animais em pastejo conferem aumento da produtividade agrícola”, explica.

Marchió observa que os principais adotantes do Boi Safrinha são pecuaristas que se tornaram também agricultores cerca de 15 anos atrás, quando se iniciou o aumento da adoção de sistemas de integração no País. Em seguida, aparecem os agricultores que vislumbraram a agregação de valor com a atividade pecuária e adquiriram animais – por sinal, o principal investimento do sistema.

Lourival Vilela destaca que a tecnologia vai além da alimentação dos bovinos na entressafra. “Há fazendas que estão fazendo a estação de monta invertida, saindo do período tradicional (novembro) para o mês de maio (período da pastagem do Boi safrinha)”, comenta, salientando que os animais, nesse sistema, não perdem peso. “O grande objetivo do criador é obter mais bezerros por área. Na monta invertida, ele consegue aumentar a fertilidade das vacas devido ao valor nutricional superior da pastagem. Além disso, o nascimento dos bezerros ocorre normalmente na seca. Com a inversão da monta, a mortalidade diminui”, completa Marchió.

Vilela acrescenta que a maior disponibilidade de forragem proporcionada pelo sistema, aliada ao manejo animal adequado, pode proporcionar a redução das idades de abate dos animais machos e de primeiro parto das novilhas, encurtando o ciclo pecuário e proporcionando o aumento da rentabilidade da atividade ano após ano. 

“Estamos num momento de demanda internacional por alimentos muito forte. A tendência é de que as commodities continuem sendo valorizadas. Como o valor da terra aumentou muito nos últimos anos, o produtor que não conseguir fazer a expansão horizontal da produção fará a expansão vertical, aumentando a produtividade na mesma área”, aponta Marchió. 

Existem diferentes alternativas de Boi safrinha (ver figura), e a escolha depende das condições operacionais da fazenda, como infraestrutura, cercas, aguadas e máquinas, bem como das condições climáticas de cada região favoráveis aos cultivos de soja, milho e sorgo, e do conhecimento e experiência necessários para implantação das práticas do sistema. 

FONTE: SITE DA EMBRAPA.

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