Grupo acredita que pesquisas anteriores apresentaram evidências frágeis; no Brasil, outro estudo comparou o consumo de carne vermelha e também não identificou danos à saúde
Comer menos carne vermelha pode não ter relação direta com melhora na saúde, como muitos pesquisadores vêm afirmando ao longo dos anos. Ao menos é o que garante um grupo de cientistas, liderado por membros da Universidade Dalhousie, do Canadá, que recentemente desmentiu pesquisas anteriores que recomendavam a redução do consumo de carnes como a bovina para evitar problemas de saúde e garantir maior qualidade de vida.
O foco das revisões foram as metodologias utilizadas para chegar às conclusões. Para o grupo, muitas das evidências eram frágeis e pouco confiáveis. Portanto, dizer que reduzir o consumo de carne seria benéfico para a saúde pode ser uma afirmação equivocada e sem comprovação científica eficaz.
Os novos relatórios são baseados em três anos de trabalho de 14 pesquisadores de sete países. Os investigadores informaram que não há conflitos de interesse na pesquisa, já que eles teriam realizado os estudos sem qualquer financiamento externo.
Médico fala sobre os benefícios da carne vermelha para a saúde
Em três revisões, o grupo analisou estudos verificavam se o consumo de carne vermelha ou processadas implicava risco de doenças cardiovasculares ou câncer. Os cientistas concluíram que, nos três estudos, os vínculos entre ingestão de carne vermelha, desenvolvimento de doenças e morte eram pequenos e a quantidade das evidências era baixa ou muito baixa.
Foram revisados, ao todo, 61 artigos relatando casos em 55 diferentes populações, envolvendo cerca de 4 milhões de participantes. Os pesquisadores também analisaram estudos que ligavam a carne vermelha à incidência de câncer ou doenças cardíacas, assim como 73 artigos que examinaram a ligação entre o consumo de carne e a mortalidade por câncer.
Os autores também fizeram uma revisão sistemática, analisando as atitudes das pessoas e os valores relacionados à saúde em relação à ingestão de carnes vermelhas e processadas.
“Nossa revisão sistemática mostra que geralmente há evidências de baixa a muito baixa qualidade para mais de 30 resultados de saúde, e que os valores e preferências do público em torno de carnes vermelhas ou processadas – reconhecidamente, também com base em evidências de baixa qualidade – mostram que eles gostam do sabor de carne, geralmente a consideram saudável e relutam em mudar, embora exista variabilidade nessas opiniões ”, afirma Bradley Johnston, epidemiologista e líder do grupo de pesquisa.
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Foto: Prefeitura Municipal de Paranavaí (PR)
Johnston, que é treinado em metodologia de pesquisa em saúde, diz que a equipe percebe que seu trabalho supera muitas diretrizes nutricionais atuais e se opõe à sabedoria convencional.
Vários grupos de saúde foram rápidos em condenar as descobertas, com um comitê de médicos fazendo lobby para que a revista científica na qual foi publicada o artigo retirasse os resultados do ar.
Gordon Guyatt, presidente do comitê de diretrizes e professor da Universidade McMaster, disse em comunicado que o grupo de pesquisa usou uma metodologia mais rigorosa em relação às pesquisas anteriores. Por esse motivo os resultados divergem das pesquisas convencionais, que trabalham com resultados que fogem da precisão.
“As pessoas precisam ser capazes de tomar decisões sobre a sua própria dieta baseada na melhor informação disponível”, disse Guyatt.
Pesquisa nacional
No Brasil, o médico cardiologista Iran Castro tem um pensamento similar ao do grupo de pesquisadores que contesta as conclusões tradicionais. Ele participou da última edição da Expointer no painel “Consumo de Carne Bovina: benefícios e importância em uma dieta saudável” e faz parte de um estudo nacional que monitorou o consumo de carne vermelha em um grupo de voluntários.
A conclusão a que o médico chegou foi a mesma do grupo de cientistas: a de que a carne não deve ser tratada como uma vilã da dieta humana. “De fato, não há evidências consistentes de que a carne vermelha seja prejudicial à saúde humana, tampouco não há evidências de que, ao consumi-la, tenhamos vantagem em relação a desfechos cardiovasculares ou oncológicos”, disse o médico, avaliando que casos de câncer e episódios envolvendo o coração não devem ser creditados ao consumo de carne vermelha.
Os voluntários da pesquisa realizada no Brasil consumiram, em dois períodos distintos, 120 gramas de carne por 27 dias. Em um primeiro momento, foram consumidas carnes de animais oriundos de confinamento e, em outro ponto da pesquisa, carne de animais mantidos sobre pastagem. Sempre em cortes sem gordura externa.
“Concluímos que não houve alterações do perfil lipídico (gordura) com a ingestão constante de carne vermelha sem gordura. Assim como não houve diferença nesse perfil com a ingestão de carne magra a pasto ou de confino”, disse.
Para o especialista, o consumo de carne vermelha diariamente sem a gordura externa não implica alterações significativas na saúde. Sendo assim, não faria sentido a recomendação de uma dieta que exclua a carne vermelha do cardápio.
Isso vai de encontro a uma tendência que cria alternativas para a carne vermelha, como a recente criação de “carnes” feitas exclusivamente de vegetais. Para o médico, é possível viver sem o consumo de carne e ter uma vida saudável, porém com uma reposição proteica de alto valor biológico.
“A carne não pode ser substituída por carboidratos que, junto ao sal, representam o maior perigo à saúde”, disse.