Erradicação da Febre Aftosa no Brasil – país “livre sem vacinação”, saiba tudo.

Neste artigo vamos esclarecer a importância para o Brasil em conquistar o último degrau no controle sanitário da febre aftosa, um país “livre sem vacinação”.

Para começar, entrevistamos aqui no portal AGRONEWS BRASIL, o Dr. Alejandro Rivera, Coordenador do Centro Pan-americano de Febre Aftosa e Saúde Pública Veterinária, que fez um resumo das principais informações e dados sobre a retirada da vacinação aqui no Brasil. Segundo Dr. Rivera, não se justifica manter intensos programas de vacinação indefinidamente, uma vez que, através de vacinações sistemáticas e estudos soro epidemiológicos, foi demonstrada a eliminação dos vírus atuantes na população bovídea das Américas.

Proposto pelo Governo Federal no Plano Nacional de Erradicação da Febre Aftosa (PNEFA), para a transição de status sanitário, as unidades da Federação foram organizadas em cinco blocos, considerando critérios técnicos, estratégicos, geográficos e estruturais. Esse agrupamento visa favorecer o processo de transição de zonas livres de febre aftosa com vacinação para livre sem vacinação de forma regionalizada, com início ainda em 2019 e conclusão em 2026, quando todo país alcançaria a condição de livre de febre aftosa sem vacinação, reconhecida pela OIE.

aftosa

Dr. Alejandro, começa a narrativa contando alguns aspectos históricos para contextualizar a importância do controle sanitário nas Américas, segue apresentando dados estatísticos e conclui avaliando a iniciativa do Brasil na aplicação do PNEFA. Um material muito rico em informações e bastante esclarecedor, então acompanhe!

Um pouco da história

Em 1988, foi aprovado pelo Comitê Hemisférico para a Erradicação da Febre Aftosa (COHEFA) a criação do Programa Hemisférico para a Erradicação da Febre Aftosa (PHEFA), que, tornou-se o maior esforço global para combater essa enfermidade. O primeiro Plano de Ação 1988 – 2009, teve como objetivo de preservar as regiões da América do Norte, América Central e do Caribe como livre de febre aftosa sem vacinação e definiu a estratégia sanitária que os países da América do Sul deveriam incorporar em seus planos nacionais de controle e erradicação.

Anteriormente, o trabalho feito por especialistas do Centro Pan-americano de Febre Aftosa (PANAFTOSA) tinha conseguido caracterizar os padrões de ocorrência de febre aftosa em países sul-americanos que permitiu distinguir quatro grandes regiões: a sub-região do cone sul, a sub-região andina, sub-região amazônica e o território do Brasil que não fazia parte das três sub-regiões mencionadas acima.

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Também foi observado que o reservatório principal para a manutenção da infecção do vírus da febre aftosa e sua propagação fossem o gado bovino e bubalino, e os sistemas de produção associados com estas espécies. Ao contrário de outras regiões do mundo, foi evidenciado que especialmente na América do Sul, os animais selvagens, assim como ovelhas, cabras e porcos, não detêm um papel relevante na manutenção da doença.

O PHEFA foi desenvolvido ao longo desse período, coordenado pelo PANAFTOSA e monitorado pelos países da américa do sul, que se reúnem anualmente na Comissão Sul-Americana para a Luta contra a Febre Aftosa (COSALFA). Um importante avanço foi alcançado nesse período, com um progresso significativo nos países do Cone Sul (Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Uruguai) e o Brasil, enquanto alguns países da região andina, incluindo a Venezuela, mostraram atrasos no progresso de seus programas de controle. Houve também um padrão de surtos esporádicos de febre aftosa em zonas reconhecidas livres, onde os níveis de vacinação eram suficientes para prevenir o aparecimento da doença, mas não para impedir a reintrodução e transmissão da infecção.

Devido a meta de erradicação não ter sido alcançada em toda a região, em 2010 foi elaborado e aprovado o segundo Plano de Ação 2011-2020, que reuniu as experiências adquiridas e estabeleceu estratégias específicas para que os países afetados avançassem em seus programas de controle até alcançar o status sanitário de livre com vacinação; e os países livres com vacinação pudessem progredir para o status de livre sem vacinação.

Em meados da década atual, observou-se que os países avançaram mais rápido do que o esperado, onde os infectados alcançaram o status de livre e foi registrado um período de quatro anos sem notificações de novos casos nos territórios livres da região. Portanto, os países membros da COSALFA solicitaram ao PANAFTOSA, a elaboração de um Guia de Trabalho Técnico para ajuda-los no processo de transição para o status de livre de febre aftosa sem vacinação.

As recomendações da Guia Técnica, já elaborada há mais de 3 anos, têm sido apoiadas por um Projeto do Comitê Veterinário Permanente do Cone Sul (CVP), financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e destinado à formação dos veterinários dos Serviços de Saúde Animal do Cone Sul, nas abordagens e metodologias recomendadas internacionalmente.

Assim, até 2018, todos os países da América do Sul, com exceção da Venezuela, haviam alcançado o status de livre de febre aftosa com ou sem vacinação. Lamentavelmente, o serviço veterinário oficial da Venezuela não detêm, atualmente, as condições mínimas necessárias para demonstrar a ausência da febre aftosa no seu território, onde o programa de controle tem sofrido um progressivo enfraquecimento desde 2016, associado à crise socioeconômica que afetou aquele país, o que culminou no surgimento de novos surtos de febre aftosa no território livre da Colômbia, nos anos de 2017 e 2018. Atualmente, Colômbia trabalha na recuperação do seu status sanitário suspenso pela Organização Mundial de Saúde Animal – OIE.

boi gordo

Risco atual da febre aftosa na América do Sul

O risco atual de febre aftosa na América do Sul está localizado exclusivamente no norte da sub-região andina, onde a persistência de uma linhagem do vírus tipo O da febre aftosa, identificada desde 2004, tem sido evidenciada em alguns estados da Venezuela e departamentos de fronteira do lado colombiano. Esta observação é corroborada por estudos filogenéticos sobre cepas virais de febre aftosa isoladas no continente, que mostram padrões biogeográficos específicos de circulação do vírus associados aos sistemas de exploração predominantes nos países. De fato, em cada sub-região, foi verificada a circulação de certas linhagens de vírus da febre aftosa em bovinos e bubalinos, sem evidências históricas da sua presença em outras sub-regiões do subcontinente.

As evidências fornecidas pelos estudos filogenéticos sobre cepas virais chancelam a abordagem sub-regional promovida pelo PHEFA e as estratégias sanitárias estabelecidas para os níveis sub-regionais, que permitem avanços sustentáveis na erradicação da febre aftosa, considerando o alto grau de independência epidemiológica entre elas.

febre aftosa

Vacinar ou não vacinar. Esse é o dilema?

A erradicação da febre aftosa na América do Sul baseou-se, principalmente, na vacinação da população bovina e bubalina, já que esta é a espécie reservatório da infecção pelo vírus da febre aftosa, desde seu registro na América do Sul (1865). Para isso, vacinas de alta qualidade foram preparadas contra os três sorotipos atuantes na região (sorotipos O, A e C), que, aplicados regular e sistematicamente sob programas nacionais, atingem um nível de imunidade populacional que não só previne a ocorrência clínica da doença, mas também, impede a transmissão da infecção e, consequentemente, contribui na eliminação do vírus da população.

Deve-se levar em conta que, na América do Sul, além das espécies bovina e bubalina, existem cabras, ovelhas e porcos, que compreendem mais de 150 milhões de animais, os quais, nunca foram submetidos a programas sistemáticos de vacinação e, por serem animais suscetíveis ao vírus da febre aftosa, atuam como sentinelas para a infecção na região.

No entanto, a febre aftosa no mundo é uma doença causada por sete sorotipos virais, que não apresentam imunidade cruzada entre elas. Assim, as vacinas usadas na América do Sul não protegem contra os sorotipos exóticos, como os sorotipos Ásia, SAT1, SAT2 e SAT3, que circulam na África, Oriente Médio e Ásia, e tampouco, as vacinas na região protegem adequadamente contra os outros sorotipos O e A que circulam em outras partes do mundo, devido a diversificação genética do vírus da febre aftosa, gerando novos subtipos virais.

Portanto, não se justifica manter intensos programas de vacinação indefinidamente, uma vez que, através de vacinações sistemáticas e estudos soro epidemiológicos, foi demonstrada a eliminação dos vírus atuantes nessa população. Porém, é necessário mudar a estratégia sanitária da erradicação da doença, pois esse objetivo já foi atingido, por ações que fortaleçam as medidas sanitárias destinada a impedir uma nova introdução, baseada em controles mais rigorosos ao nível fronteiriço (entrada legal ou ilegal de animais e produtos de risco), bem como a biossegurança necessária para a manutenção de vírus nos laboratórios de produção de vacinas e laboratórios de diagnóstico. Esta estratégia é a mais eficaz, econômica e eficiente porque diminui o risco de novas introduções por qualquer sorotipo do vírus da febre aftosa; além de impedir o ingresso de outras enfermidades transfronteiriças no território nacional que podem ser tão desastrosas quanto a febre aftosa.

Além disso, considerando que o risco de introdução da febre aftosa não é igual a zero, devido à ocorrência da doença em outras regiões do mundo, os países livres fortalecem sua capacidade de detecção e resposta precoce diante do surgimento de novos surtos da doença, apoiada pelos Bancos de Antígenos e Vacinas do vírus da febre aftosa, para que o impacto económico de eventuais novos surtos seja adequadamente mitigado.

Afirmar que o dilema dos países, agora livres da febre aftosa com vacinação na América do Sul, é “vacinar ou não vacinar” é conceitualmente equivocado, porque as vacinas em uso na região não produzem proteção universal contra todos os sorotipos virais da febre aftosa circulantes no mundo. Por outro lado, a população bovídea das Américas nunca teve proteção imunológica contra os outros sorotipos exóticos, como os sorotipos Ásia, SAT1, SAT2 e SAT3, e as medidas de prevenção atualmente aplicadas pelos países nas fronteiras, mostraram a sua eficácia para evitar introduções por estes sorotipos virais há décadas.

O reconhecimento internacional outorgado pela OIE ao País ou zona livre de febre aftosa, significa necessariamente de que a enfermidade foi erradicada naquele território e que existe um serviço veterinário oficial que executa suas ações de vigilância, prevenção, erradicação de forma satisfatória, conforme prevê o Código Sanitário Internacional, independente se esteja utilizando a vacinação ou não. Portanto, não se sustenta a vacinação indefinida de um país que já é considerado livre, exceto se não há convicção da sua condição sanitária ou que haja um desafio externo justificável, o que não se aplicaria para a realidade dos países do cone sul

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Os custos da luta contra a febre aftosa

A febre aftosa em um país tem custos diretos e indiretos. Os custos diretos correspondem aos danos causados pela infecção, devido ao nível de morbidade e mortalidade que atinge nos surtos da doença, quando acomete uma população animal. Os custos indiretos, por outro lado, correspondem àqueles derivados das medidas sanitárias que são aplicadas para o controle da doença e, como essa doença afeta os animais de produção, também incluem as restrições impostas ao livre comércio de animais e de produtos pecuários, reduzindo os lucros e o valor dos mesmos.

Uma vez não havendo mais focos de febre aftosa em um território, as perdas diretas desaparecem e o custo da doença se limita aos custos indiretos, ou seja, o custo derivado das medidas sanitárias para seu controle e as restrições ao comércio.

Os países livres com vacinação no Cone Sul e no Brasil gastam anualmente (2017) o total de US $ 1.067.231,35 bilhão de dólares, dos quais US $ 644,957.04 milhões são financiados pelo setor público e US $ 422,274.31 milhões pelo setor privado. Destes custos, da ordem de U $ 281.056,00 milhões correspondem as vacinas de febre aftosa e contrato de vacinadores. Estes custos não consideram aqueles associados ao pastoreio e manejo de animais para vacinação, nem aqueles derivados do descarte de carne devido a lesões causadas por injeções repetidas. Além disso, esse montante não inclui o impacto causado pelas restrições ao comércio de produtos pecuários que os mercados internacionais impõem aos países que vacinam, nem as medidas sanitárias adicionais exigidas desses produtos que são comercializados. Portanto, os custos indiretos são ainda maiores que os reportados pelos países.

Desde 2011, os países livres do Cone Sul não apresentaram novos surtos, por isso, hoje, os custos da febre aftosa são apenas custos indiretos.

A manutenção de programas de vacinação em populações onde a eliminação do vírus é alcançada, não é apenas desnecessária do ponto de vista técnico sanitário e inócuo como estratégia de prevenção contra todos os sorotipos virais da febre aftosa, mas também impõe custos injustificados e restrições comerciais que reduzem a competitividade dos produtos pecuários e comprometem a lucratividade das empresas pecuárias.

Portanto, uma estratégia de saúde baseada no fortalecimento da prevenção no nível fronteiriço, juntamente com uma detecção oportuna e resposta precoce frente à uma eventual introdução da doença, é a mais eficiente em termos econômicos para um país livre, porque ajusta os custos indiretos para as medidas sanitárias mais eficazes, sem restringir os mercados para os produtos pecuários ou sobrecarregar os produtores com medidas sanitárias injustificadas. O status de livre sem vacinação, remove obstáculos que a doença representa para o livre comércio de produtos pecuários, melhorando a competitividade e expandindo os mercados para a produção pecuária.

Fonte: Site do AgroNews.

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